O desembargador Claudio de Mello Tavares,
da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, acatou
parcialmente a apelação judicial feita pela mãe de um adolescente que teria
sofrido bullying dos colegas de turma em um colégio localizado em Alcântara, em
São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. A escola foi condenada a pagar
R$40 mil por danos morais, bem como as custas processuais.
A mãe do menor alegou na ação que o filho
vinha sofrendo sucessivas agressões físicas e psicológicas, além de
discriminação racial por parte de outros alunos, situação que teria se agravado
pela inércia da direção da instituição de ensino. Na primeira instância, a
juíza Flavia Gonçalves Moraes Alves, da 2ª Vara Cível de São Gonçalo, julgou
improcedente o pedido de danos morais e materiais por entender que não houve
caracterização de bullying e nem conduta indevida por parte da instituição de
ensino.
No entanto, ao julgar a apelação feita
pela mãe do menor, que alegou não terem sido ouvidas as testemunhas arroladas
no processo, o desembargador Claudio de Mello Tavares entendeu que havia provas
suficientes das agressões sofridas pelo menino e que a escola não prestou o
devido atendimento ao aluno. “Portanto e, a toda evidência, o réu de tudo
sabia, e se não se manteve totalmente inerte, muito pouco fez para solucionar o
problema, não obstante lhe coubessem as providências garantidoras da segurança
do aluno em suas dependências. Patente é, pois, o defeito no serviço,
exatamente por não ter sido fornecido ao consumidor a segurança esperada”,
explica o desembargador no acórdão.
Apelante: Gabryel de Oliveira Miguel
(representado por sua mãe Renata de Oliveira
Miguel)
Apelado:
Externato Alfredo Backer Ltda.
Relator:
Desembargador Claudio de Mello Tavares
A C Ó R D Ã O
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA AJUIZADA
POR MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ, INTEGRANTE DO CORPO DIS-CENTE DO ORA APELADO.
ALEGAÇÃO DE BULLYING, CON-SUBSTANCIADO EM SUCESSIVAS AGRESSÕES AO DEMAN-DANTE
POR PARTE DE OUTROS ALUNOS. INÉRCIA DA INS-TITUIÇÃO DE ENSINO. RELAÇÃO DE
CONSUMO. RESPON-SABILIDADE OBJETIVA. MANIFESTO DEFEITO NA PRESTA-ÇÃO DE
SERVIÇO, ANTE A FALTA DE PROVIDÊNCIAS GA-RANTIDORAS DA SEGURANÇA DO ALUNO NAS
DEPENDÊN-CIAS DO COLÉGIO. INCIDÊNCIA À ESPÉCIE DO ARTIGO 14, § 1º DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR. PRETENSÃO
DEDU-ZIDA, NO ENTANTO, JULGADA IMPROCEDENTE. RAZÕES RECURSAIS APTAS À REFORMA
PARCIAL DA SENTENÇA, PARA ACOLHER-SE O PEDIDO RELATIVAMENTE AO DANO IMATERIAL,
VISTO QUE O DANO MATERIAL NÃO RESTOU SUFICIENTEMENTE PROVADO. AFASTAMENTO DA
PRELI-MINAR DE NULIDADE DO JULGADO SUSCITADA PELO AU-TOR AO FUNDAMENTO DE
CERCEAMENTO DE DEFESA, TENDO EM VISTA A PLENA OBSERVÂNCIA, PELO DOUTO JU-ÍZO DE
PRIMEIRO GRAU, DOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO E DA
AMPLA DE-FESA. PRELIMINAR RECHAÇADA. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos
do Apelação Cível nº 0031581-78.2011.8.19.0087 em que é Apelante Gabryel de
Oliveira Miguel (representado por sua mãe Renata de Oliveira Miguel) e Apelado
Externato Alfredo Backer Ltda.
ACORDAM os desembargadores que compõem a
Décima Primeira Câ-mara Cível, por unanimidade, em afastar a preliminar de
nulidade do julgado e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso, nos termos
do voto do Desembarga-dor Relator.
Trata-se de Ação Indenizatória por Dano
Material e Moral, com tramita-ção originária no douto Juízo de Direito da 2ª
Vara Cível Regional de Alcântara – Co-marca de São Gonçalo, ajuizada por
Gabryel de Oliveira Miguel (representado por sua mãe Renata de Oliveira
Miguel), por dependência à Ação Cautelar nº 0028022-16.2011.8.19.0087.
Alegou o autor, menor absolutamente
incapaz, que vem sofrendo suces-sivas agressões físicas e psicológicas, além de
discriminação racial por parte de seus colegas de escola, situação que se
agravou pela inércia da direção da instituição de ensino, não obstante os
reclamos de sua genitora com vistas à adequada solução ao problema.
Relatou a mãe do infante que ele passou a
ter comportamento arredio à escola, demonstrando ser vítima de bullying, tendo,
por vezes, chegado em casa com hematomas pelo corpo e marcas de compressão de
pontas de lápis em sua pele.
Afirmou a genitora ter presenciado seu
filho nas dependências do réu com as mãos para trás, imobilizado por outro
menor de porte avantajado, enquanto outros menores desferiam-lhe socos,
inclusive na cabeça.
Salientou que envidou todos os esforços
para obter solução para a ques-tão, mas prevaleceu a letargia do demandado, que
nenhuma providência adotou.
Ressaltou que o menor apresenta sinais e
sintomas oriundos das agres-sões, com constantes dores de cabeça e no estômago,
especialmente nos dias de au-la, evidenciando quadro de depressão e ansiedade.
Acrescentou que os colegas de classe o
ameaçavam, dizendo que iriam surrá-lo e até mesmo matá-lo, como também aos
membros de sua família.
Asseverou, outrossim, ter informado tais fatos
à Secretaria de Educação, ao Conselho Tutelar e à 74ª Delegacia Policial, até
porque o réu preferiu tratar o assun-to como mera rusga entre crianças.
Postulou a “manutenção e confirmação da
medida liminar deferida em se-de cautelar”, bem como a condenação do réu em
danos morais (nestes incluídos os danos psicológicos) no valor mínimo de
R$50.000,00 (cinquenta mil reais) e, para a hipótese de irreversibilidade de
tais danos psicológicos, fosse a indenização fixada em valor mínimo de
R$100.000,00 (cem mil reais).
Pleiteou, ainda, a condenação do réu nas
perdas e danos materiais, con-substanciados na “manutenção de profissionais que
vierem a ministrar educação esco-lar ao autor …” e no “reembolso de despesas
médicas, locomoção e demais custos re-lativos ao atendimento das necessidades
do menor”.
Requereu, ao final, a condenação do réu ao
pagamento das custas pro-cessuais e honorários de advogado.
À fl. 82, foi deferida a gratuidade de
justiça ao autor.
Em sua contestação de fls. 87/101, o réu
suscitou a intempestividade des-te feito, ao argumento de que foi intimado da
sentença no processo cautelar em 14.11.2011, tendo sido a presente demanda
distribuída em novembro de 2011.
Após afirmar que o autor indica “tendência
novelesca”, declina sua versão quanto aos fatos envolvendo o menor e,
sobretudo, duas outras crianças, de nomes Lucas Rodrigues e Mateus Jardim, que
figuram nos relatos do demandante acerca dos maus-tratos.
Sustentou que a demanda afigura-se
teratológica, daí postular sua impro-cedência.
O autor apresentou a réplica de fls.
133/134, seguindo-se a decisão sa-neadora de fls. 137/138, por meio da qual foi
deferida a realização de prova oral, com a oitiva das testemunhas das partes, e
de prova documental superveniente. O depoimen-to da parte autora foi indeferido,
consoante fl. 141.
À fl. 142, o autor requereu a juntada de
DVD que, segundo o demandan-te, contém provas quanto as inúmeras tentativas sem
êxito de atendimento pelo réu de sua representante legal.
Em audiência, cuja ata se encontra às fls.
145/150, foi determinada a jun-tada por linha do aludido DVD.
Foram ouvidas, como informantes, Leila
Monteiro, Coordenadora do En-sino Fundamental, e Aline Araújo, Psicóloca, que
também trabalha na instituição-ré. Na oportunidade, foi adunado à fl. 151, pelo
demandante, o Laudo de Exame de Corpo de Delito.
O Ministério Público de primeiro grau
opinou, às fls. 152/160, pela proce-dência parcial do pedido, para condenar-se
o réu ao pagamento de indenização por dano moral.
Pela douta sentença de fls. 161/169, a
pretensão deduzida foi julgada im-procedente, sendo condenado o autor ao
pagamento das custas processuais e honorá-rios de advogado, estes em 10% (dez
por cento) do valor da causa, observando, no entanto, o disposto no artigo 12
da Lei nº 1060/1950.
Apela o demandante, suscitando a nulidade
da sentença, ao argumento de que não lhe foi conferido o direito de
apresentação de seu rol de testemunhas. Diz, também, que as informantes ouvidas
em juízo não foram arroladas, estando “preclu-sas”, e que o indeferimento da
juntada aos autos do DVD mencionado em audiência se afigura irregular.
No mais, renova suas alegações constantes
de peças pretéritas, acres-centando que os depoimentos tomados em audiência
mostraram-se contraditórios e que a Magistrada prolatora da sentença foi
induzida a erro.
Pugna, ao final, pela anulação ou
modificação integral da douta sentença, para julgar-se procedente o pedido.
Instruiu o Apelo com as fotos de fls. 199/207 e os documentos de fls. 208/219.
O recurso foi recebido á fl. 220, sendo
objeto das contrarrazões de fls. 222/225, em prestígio do julgado.
O Ilustre representante do Ministério
Público de primeiro grau opinou pelo conhecimento do recurso. Relativamente ao
mérito, consignou que a manifestação de-veria ser promovida pelo Parquet com
atuação neste Tribunal.
A douta Procuradoria de Justiça se
pronunciou às fls. 268/274 pelo parcial provimento da Apelação.
É o Relatório.
Cumpre, desde logo, a análise da
preliminar de nulidade da douta senten-ça suscitada pelo autor, ao argumento de
que foram ouvidas “testemunhas preclusas” que “em nenhum momento foram
arroladas ou requeridas”, restando configurado o cer-ceamento de defesa.
Data venia, razão não assiste ao
demandante.
Com efeito, não há de se cogitar de
“testemunhas preclusas”, uma vez que a preclusão diz respeito a atos
processuais e não a pessoas que, direta ou indire-tamente, participem da
demanda.
Saliente-se, outrossim, que, na espécie,
sequer as pessoas ouvidas em audiência o foram na condição de testemunhas, mas
sim de informantes, circunstância que, como consignado pela douta Procuradoria
de Justiça no primeiro parágrafo de fl. 271, afasta a suspeição dos
depoimentos.
Frise-se, por derradeiro, que o eventual
inconformismo do autor em face da oitiva de tais informantes poderia e deveria
ser suscitado pela via própria, com o manejo do recurso cabível, o que não
ocorreu na espécie, pelo que se houve preclu-são, esta se verificou pela
letargia do próprio demandante. Aliás, muito embora afirme que impugnou a oitiva das informantes em
audiência, não se vislumbra tal impugnação na ata correspondente.
O autor inquina, ainda, de nulidade, ao
fundamento, também, de cercea-mento de defesa, a decisão prolatada em audiência
determinando a juntada por linha do DVD por ele trazido.
Ocorre que em face de tal decisum o
demandante não apresentou insur-gência na forma e no tempo previsto na lei
processual. Remete-se o autor ao artigo 523, § 3º do Código de Processo Civil
que prevê:
“Art. 523.
Na modalidade de agravo retido o agravante re-quererá que o tribunal
dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação.
1o (…)
2o (…)
3o Das decisões interlocutórias proferidas
na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, de-vendo
ser interposto oral e imediatamente, bem como cons-tar do respectivo termo
(art. 457), nele expostas sucinta-mente as razões do agravante.”
Afasta-se, pois, a preliminar.
Antes de se ingressar no mérito da lide,
cumpre salientar, ainda, que o autor instruiu seu recurso de Apelação com os
documentos de fls. 199/219. A juntada se mostra manifestamente extemporânea,
sobretudo por dizer respeito a fatos ocorri-dos antes mesmo da propositura da
presente demanda.
Como se sabe, encerrada a instrução, a
apresentação de documentos somente é admitida excepcionalmente, seja para a
comprovação de fatos novos, seja pela impossibilidade de exibição oportuna.
O
demandante sequer traz qualquer mínima justificativa para a aludida juntada
intempestiva, até porque não se trata de documentos novos, restando
configu-rada a preclusão consumativa.
A
propósito:
“APELAÇÃO CÍVEL Nº 0078787-86.2010.8.19.0002 –
DES. ANTONIO ILOIZIO B. BASTOS – JULGAMENTO: 28/11/2012 – DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA
CÍVEL.
APELAÇÃO CÍVEL. SUMÁRIO. RELAÇÃO DE
CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INTERRUPÇÃO NO FORNECI-MENTO DE ENERGIA ELÉTRICA –
AMPLA S/A. TEMPO-RAL. 1. Inobstante a ocorrência de falta de energia
decor-rente de temporal seja imprevisível, houve inegável demora no
restabelecimento do fornecimento de energia. 2. Não ob-servância pela
concessionária do disposto no artigo 91, § 2º, da Resolução 456/2000 da ANEEL.
3. Dano moral correta-mente reconhecido. 4. Sentença que julgou parcialmente
procedente o pedido e condenou a ré a compensação por danos morais no valor de
R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 5. Quantum indenizatório fixado em observância
aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 6. Incabível a junta-da de
documentos após a prolação da sentença, por-quanto afronta o princípio da
preclusão temporal previs-ta no artigo 396 do Código de Processo Civil. Com
efei-to, a juntada extemporânea de documentos só se justifi-ca para comprovar
fatos novos ou para contrapor os fa-tos produzidos nos autos, ex vi do artigo
397 do Código
de Processo Civil. 7. Recursos aos quais
se nega segui-mento, na forma do artigo 557, caput, do CPC.”
Assim, mantém-se referidos documentos nos
autos por mera liberalidade, sem qualquer interferência no decisum.
Ao
se adentrar, efetivamente, ao mérito da demanda, cumpre consignar, desde logo,
que se trata de relação de consumo, configurando-se o autor consumidor e a
instituição de ensino-ré fornecedora de serviços, nos termos dos artigos 2º e
3º da Lei nº 8078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), que estipulam:
“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que ad-quire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor
a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou
jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produ-ção, montagem, criação,
construção, transformação, impor-tação, exportação, distribuição ou
comercialização de produ-tos ou prestação de serviços.
1° Produto é qualquer bem, móvel ou
imóvel, material ou imaterial.
2° Serviço é qualquer atividade fornecida
no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária, salvo as decor-rentes das relações de
caráter trabalhista.”
A
responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, nos termos do artigo 14
do aludido Código:
“Art. 14. O fornecedor de serviços
responde, independente-mente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à presta-ção dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
1° O serviço é defeituoso quando não
fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em
consi-deração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – o modo de seu fornecimento;
II – o resultado e os riscos que razoavelmente
dele se espe-ram;
III – a época em que foi fornecido.
2º O serviço não é considerado defeituoso
pela adoção de novas técnicas.
3° O fornecedor de serviços só não será
responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o
defeito inexiste;
II
– a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
4° A responsabilidade pessoal dos
profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”
O
cotejo entre tais preceitos, os fatos narrados e a prova dos autos con-duz à
conclusão que assiste razão em parte ao demandante.
Com
efeito, os autos contêm expressivo acervo de documentos que cor-roboram os
fatos declinados pelo autor. À guisa de exemplificação, tem-se as comuni-cações
da genitora do menor ao réu (fls. 24/26 e 29), prescrições e laudos médicos
relativos ao menor (fls. 30/34 e 86), Registro em Delegacia Policial (fls.
35/37, 40/48), comunicações da mãe do autor à Secretaria de Educação (fls.
50/56) e ao Conselho Tutelar (fls. 57/61), encontrando-se, às fls. 151, o laudo
de exame de corpo de delito do menor Gabryel de Oliveira Miguel.
Do
contexto dos autos, em especial dos documentos de fls. 118/119, emanados da
Secretaria de Estado de Educação, por meio de sua Coordenação de Inspeção
Escolar, depreende-se que, no âmbito do feito cautelar, preparatório à
pre-sente demanda, houve a determinação para que o réu custeasse profissionais
qualifi-cados para que ministrassem aulas ao autor no seu domicílio, o que,
segundo os ele-mentos dos autos foi, pelo menos em parte, cumprido.
Observa-se, outrossim, que não obstante
procure o réu minimizar a gra-vidade dos fatos, atribuindo conotação de mera
implicância entre crianças, sem maio-res consequências, o fato é que o
demandado estava, sim, plenamente cônscio das graves ocorrências, não se
vislumbrando, entretanto, a adoção de efetivas medidas tendentes a pôr um ponto
final aos lamentáveis fatos.
Saliente-se que a informante Leila Monteiro
declarou em Juízo, consoante fls. 146/147, que nas vezes em que a mãe do autor
se reuniu com a depoente, sempre se queixou de que seu filho estava sendo
vítima de bullying, conceituado como agres-sões intencionais, verbais ou
físicas, feitas de maneira repetitiva, por um ou mais alu-nos contra um ou mais
colegas.
Portanto e, à toda evidência, o réu de tudo
sabia, e se não se manteve to-talmente inerte, muito pouco fez para solucionar
o problema, não obstante lhe coubes-sem as providências garantidoras da
segurança do aluno em suas dependências.
Patente é, pois, o defeito no serviço,
exatamente por não ter sido forneci-do ao consumidor a segurança esperada.
A propósito:
“REsp 762075 / DF – RECURSO ESPECIAL
2005/0099622-8 – Relator: Ministro LUIS FELIPE SALO-MÃO – Órgão Julgador:
QUARTA TURMA – Data do Julga-mento: 16/06/2009 – Data da Publicação/Fonte: DJe
29/06/2009 – CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE OCORRIDO COM ALUNO DURANTE
EXCURSÃO ORGA-NIZADA PELO COLÉGIO. EXISTÊNCIA DE DEFEITO. FA-TO DO SERVIÇO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AU-SÊNCIA DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE.
É incontroverso no caso que o serviço
prestado pela insti-tuição de ensino foi defeituoso, tendo em vista que o
pas-seio ao parque, que se relacionava à atividade acadêmica a cargo do
colégio, foi realizado sem a previsão de um corpo de funcionários compatível
com o número de alunos que participava da atividade.
O Tribunal de origem, a pretexto de justificar
a aplicação do art. 14 do CDC, impôs a necessidade de comprovação de culpa da
escola, violando o dispositivo ao qual pretendia dar vigência, que prevê a
responsabilidade objetiva da esco-la.
Na relação de consumo, existindo caso
fortuito interno, ocorrido no momento da realização do serviço, como na
hi-pótese em apreço, permanece a responsabilidade do forne-cedor, pois, tendo o
fato relação com os próprios riscos da atividade, não ocorre o rompimento do
nexo causal.
Os estabelecimentos de ensino têm dever de
segu-rança em relação ao aluno no período em que estiverem sob sua vigilância e
autoridade, dever este do qual deri-va a responsabilidade pelos danos
ocorridos.
Face as peculiaridade do caso concreto e
os critérios de fixação dos danos morais adotados por esta Corte, tem-se
por razoável a condenação da recorrida ao
pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais.
A não realização do necessário cotejo
analítico dos acór-dãos, com indicação das circunstâncias que identifiquem as
semelhanças entre o aresto recorrido e os paradigmas im-plica o desatendimento
de requisitos indispensáveis à com-provação do dissídio jurisprudencial.
Recursos especiais conhecidos em parte e,
nesta parte, providos para condenar o réu a indenizar os danos morais e
materiais suportados pelo autor.”
Cabe destacar que o acórdão relativo ao aresto
ora reproduzido, ao tecer comentários acerca do defeito na prestação do
serviço, ocorrente quando não é forne-cida ao consumidor a segurança esperada,
consignou com propriedade:
“Destaca-se que a teoria da responsabilização
pelos riscos criados foi também acolhida pelo art. 927, parágrafo único, do
CC/2002, que prevê a responsabilidade objetiva quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco aos direitos
de outrem. Es-sa disposição, remete, por sua vez, a atividade dos
educan-dários, prevista no art. 932, IV, do CC/20002 (antigo art. 1.521, IV, do
CC/1916).
Nesse sentido o seguinte precedente:
‘Indenização. Vítima de acidente ocorrido
durante treinamento de judô, ministrado por preposto da recorrida, que a deixou
tetraplé-gica. Acidente ocorrido em virtude de negligência do professor.
Comprovados a conduta, os danos e o nexo de causalidade, pre-sente o dever de indenizar
da recorrida que responde pelos atos do seu preposto. Código de Defesa do
Consumidor, art. 14, § 3º. Aplicação. Recurso especial conhecido e parcialmente
provido. (REsp 473085/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro
ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2004, DJ 23/05/2005
p. 267)’”
Vale ressaltar que os mencionados artigos do
Código Civil têm a seguinte redação:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts.
186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de
reparar o dano, inde-pendentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por
sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 932. São também responsáveis pela
reparação civil:
I – (…)
II – (…)
III – (…)
IV – os donos de hotéis, hospedarias,
casas ou estabeleci-mentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de
educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V – (…)”
Na
espécie, desde que o estabelecimento de ensino não adotou as medi-das que se
faziam imperiosas para restabelecer a segurança do autor, reiteradamente
agredido por outros alunos, trouxe para si a responsabilidade pelo evento
danoso.
Tenha-se presente que as aludidas agressões
importaram no quadro de fobia, depressão e ansiedade, consoante laudo médico
neurológico de fl. 32, o que po-deria ser evitado se o réu tivesse adotado as
providências pertinentes.
Vale, neste ponto, lembrar as seguintes
disposições que integram o Esta-tuto da Criança e do Adolescente:
“Art. 15. A criança e o adolescente têm
direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em
pro-cesso de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais
garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 17. O direito ao respeito consiste na
inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do
adoles-cente, abrangendo a preservação da imagem, da identida-de, da autonomia,
dos valores, idéias e crenças, dos espa-ços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela
dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrange-dor.”
O
conjunto fático-probatório demonstra que as disposições acima não fo-ram
observadas em sua integralidade, restando inegavelmente evidenciado o dano
mo-ral e, em decorrência do qual o dever de indenizar.
Quanto ao arbitramento do valor a tal título,
trata-se de árdua tarefa, à míngua de critérios puramente objetivos, devendo o
Magistrado se orientar pelo bom senso, inseparável do Direito, e pelos
princípios da razoabilidade e da proporcionalida-de, observados o grau de lesão
e a capacidade econômica e financeira das partes, ha-vendo de se perquirir,
neste feito em particular, acerca da pessoa da vítima. Por outro lado, a
reparação não pode se converter em fonte de lucro ou de enriquecimento,
tam-pouco fique aquém do necessário para compensar a parte lesada.
Nessa perspectiva, devem os danos morais ser
fixados em R$40.000,00 (quarenta mil reais), valor que se afigura consentâneo
com os elementos dos autos.
Os
danos materiais não foram quantificados pelo autor, sequer cabalmen-te
comprovados, não merecendo acolhimento.
À
vista de todo o exposto, rechaça-se a preliminar de nulidade da senten-ça e, no
mérito, dá-se parcial provimento ao recurso nos termos da presente
fundamen-tação. Condena-se o réu ao pagamento das custas judiciais e dos
honorários de advo-gado, ora fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da
condenação.
Rio
de Janeiro, 20 de maio de 2015.
Desembargador Claudio de Mello Tavares
Presidente/Relator